Sobre o uso da linguagem, de Oliver Goldsmith

Foto por Brett Jordan @brett_jordan | Unsplash

Tradução realizada sob supervisão da Porfa. Dra. Valéria Silveira Brisolara, a partir do original de Oliver Goldsmith, disponível no Google Books dentro do livro digitalizado Essays, Vol. I.

SOBRE O USO DA LINGUAGEM

Oliver Goldsmith

O modo como a maioria dos escritores inicia suas dissertações sobre o Uso da Linguagem geralmente é este: “A Linguagem foi concedida ao homem para que ele possa revelar seus desejos e necessidades, de modo que estes possam ser atendidos pela sociedade. Tudo o que desejamos, tudo o que almejamos, é revestir esses desejos e almejos com palavras, a fim de alcançar a fruição; o principal uso da linguagem, portanto, dizem eles, é expressar nossas necessidades para rapidamente recebermos ajuda”.

Tal explicação pode servir para satisfazer os gramáticos e retóricos, mas os homens que conhecem o mundo defendem máximas muitos diferentes: eles defendem, e acredito que o fazem com alguma aparência de razão, que aquele que melhor sabe como esconder suas necessidades e desejos é quem está mais propenso a encontrar ajuda, e que a verdadeira função das palavras não é tanto a de expressar nossas necessidades quanto a de escondê-las.

Quando refletimos sobre a maneira como a humanidade geralmente concede seus favores, descobrimos que aqueles que menos parecem deseja-los são justamente aqueles que os compartilham mais generosamente. Há algo tão atraente na riqueza, que a multidão geralmente cobra dos humildes; e os pobres sentem tanto prazer em aumentar a massa já enorme quanto o avarento que a detém sente felicidade em vê-la aumentar. Também não há nisto nada que seja contrário às leis da verdadeira moral. Até mesmo Sêneca reconhece que, ao se conceder benefícios, a oferta deve ser sempre adequada à dignidade do receptor. Desse modo, os ricos recebem presentes maiores, e são agradecidos ao aceitá-los. Homens de condições medíocres são obrigados a se contentarem com presentes menores; e o mendigo, de quem se pode verdadeiramente dizer que tem necessidades, será bem pago se uma moedinha recompensar seus maiores apelos.

Qualquer homem que tenha visto o mundo e que tenha passado por altos e baixos em sua vida, como diz a expressão, deve ter experimentado a verdade que há nesta doutrina, e deve saber que ter muito, ou parecer ter muito, é a única maneira de ter mais. Ovídio compara elegantemente um homem cuja fortuna é arruinada a uma coluna em declínio; quanto mais ela se inclina, mais peso é obrigada a sustentar. Desse modo, quando um homem não precisa de empréstimos, muitos estão dispostos a emprestar a ele. Se pedisse a um amigo que o emprestasse cem libras, seria possível que, devido ao tamanho da demanda, encontrasse crédito para vinte; mas se humildemente pedisse uma ninharia, as chances de ele receber dois centavos seriam de dois contra um. Certo jovem camarada no George’s[1], sempre que tinha oportunidade de pedir um guinéu a um amigo, costumava introduzir seu pedido como se quisesse duzentos, e falava com tanta familiaridade sobre grandes quantias que ninguém jamais pensaria que ele desejava uma quantia pequena. O mesmo cavalheiro, sempre que desejava receber crédito de seu alfaiate para um terno novo, fazia a proposta vestindo rendas; pois sabia por experiência própria que, se aparecesse maltrapilho nestas ocasiões, o Sr. Lynch teria feito um juramento contra empréstimos; ou, o que era tão ruim quanto, seu chefe de oficina estaria fora, e não estaria em casa nestes dois dias.

Não há nenhum incentivo para revelarmos aquilo que desejamos exceto o de encontrarmos pena e, por meio dela, auxílio; mas antes de um homem abrir sua mente em tais circunstâncias, ele deveria primeiro se perguntar se ficará satisfeito ao perder a estima da pessoa de quem pede, e se está disposto a abrir mão de uma amizade apenas para despertar compaixão. A pena e a amizade são emoções incompatíveis uma com a outra, e é impossível que as duas residam no mesmo peito pelo menor espaço de tempo sem que uma prejudique a outra. A amizade é feita da estima e do agrado; a pena é composta pelo pesar e pelo desprezo: a mente pode flutuar entre elas por algum tempo, mas nunca consegue manter as duas juntas.

Contudo, não pense que eu excluiria a pena da mente humana. Não há praticamente ninguém que não seja, em algum nível, tomado por esta agradável fraqueza; mas ela é no máximo uma emoção passageira, e raramente proporciona à aflição mais do que uma assistência transitória. Para alguns, ela mal dura o tempo passado entre o primeiro impulso e o colocar da mão no bolso; para outros, pode continuar pelo dobro desse tempo, e para alguns, de sensibilidade extraordinária, vi-a operar por meia hora. Independente de quanto dure, ela geralmente produz apenas efeitos abjetos; e enquanto por este motivo damos moedinhas, por outros damos libras. Em meio à grande aflição, nós às vezes, é verdade, sentimos fortemente a influência da ternura; quando a mesma aflição apela uma segunda vez, nós a sentimos com a sensibilidade diminuída, mas, como na repetição de um eco, cada novo impulso se torna mais fraco, até que a última de nossas sensações perde toda a parte de si que era pesar e se degenera para se transformar em absoluto desprezo.

Jack Spindle e eu éramos velhos conhecidos; mas ele se foi. Jack foi criado em um escritório de contabilidade e, com o pai morrendo justo quando ele se tornava maior de idade, foi deixada para ele uma bela fortuna e muitos amigos com quem se aconselhar. O comedimento em meio ao qual ele fora criado havia jogado uma melancolia sobre seu temperamento, que alguns consideravam uma prudência habitual, e, a partir destas considerações, ele recebia todos os dias frequentes ofertas de amizade. Aqueles que tinham dinheiro estavam prontos para oferecer-lhe sua assistência nesse quesito; e aqueles que tinham filhas, frequentemente, em meio à afeição, o aconselhavam a se casar. Jack, no entanto, vivia em boas condições; ele não queria dinheiro, amigos ou uma esposa e, portanto, rejeitava modestamente as propostas.

Alguns erros no gerenciamento de suas finanças, e diversas perdas nos negócios, logo levaram Jack a um modo diferente de pensar; e ele logo pensou que o melhor seria deixar que os amigos soubessem que suas ofertas eram enfim bem-vindas. Primeiro ele se dirigiu a um escrivão que anteriormente havia feito frequentes ofertas de dinheiro e amizade, em um tempo em que talvez soubesse que elas seriam recusadas.

Jack, portanto, pensou que poderia fazer uso do amigo sem qualquer cerimônia, e, na condição de um homem confiante de que não seria recusado, requisitou o uso de cem guinéus por alguns dias, uma vez que tinha agora oportunidade de usar o dinheiro. “Diga-me, por favor, Sr. Spindle” respondeu o escrivão, “você quer todo este dinheiro?”. “Quero, senhor” disse o outro, “se eu não o quisesse, não o teria pedido”. “Eu lamento por isso”, diz o amigo; “pois aqueles que querem dinheiro quando vêm pedir emprestado hão de querer dinheiro quando vêm pagar. Para falar a verdade, Sr. Spindle, dinheiro é dinheiro nos dias de hoje. De minha parte, acredito que ele esteja inteiramente depositado no fundo do mar; e quem possui um pouco é um tolo se não guarda aquilo que tem”.

Sem se desconcertar por esta recusa, nosso aventureiro estava resoluto a pedir a outro, que ele sabia ser o melhor amigo que tinha em todo o mundo. O cavalheiro a quem se dirigiu desta vez recebeu sua proposta com toda a afabilidade que se esperaria de uma generosa amizade. “Deixe-me ver, você quer cem guinéus; diga-me, querido Jack, cinquenta não bastariam?” “Se você tem apenas cinquenta dos quais pode se privar, senhor, eu devo me contentar”. “Cinquenta dos quais posso me privar! Eu não diria isso, pois acredito que não tenho mais de vinte comigo”. “Então devo pegar os outros trinta emprestados de outro amigo”. “Diga-me” respondeu o amigo, “não seria melhor pegar todo o dinheiro emprestado deste outro amigo, de modo que uma nota promissória serviria para tudo? Deus, Sr. Spindle, nunca tenha cerimônias comigo; sabe que sou seu amigo, quando quiser jantar ou algo assim. – Você, Tom, acompanhe o cavalheiro até embaixo. Não se esqueça de jantar conosco de vez em quando. Seu humilde criado”.

Aflito, mas sem se desencorajar por este tratamento, ele estava por fim resoluto a encontrar tal ajuda, que ele não conseguira através da amizade, através do amor. A Senhorita Jenny Dismal tinha em suas mãos uma fortuna e já havia demonstrado todo o interesse que a modéstia de seu sexo permitia. Ele fez o pedido, portanto, com confiança, mas logo percebeu que “nenhum homem falido jamais encontrou a bondade da mulher formosa”[2]. A Senhorita Jenny e o Mestre Billy Galloon há pouco haviam se apaixonado profundamente um pelo outro, e a vizinhança inteira pensava que logo haveriam de se casar.

Cada dia agora começava a roubar de Jack sua antiga elegância; suas roupas iam uma a uma parar na casa de penhores, e ele parecia por fim vestir o luto genuíno pela antiguidade. Mas ele ainda acreditava estar a salvo da fome; os inúmeros convites que havia recebido para jantar, mesmo depois de suas perdas, ainda não haviam sido respondidos; ele estava agora, portanto, decidido a aceitar um jantar, pois precisava; e desta maneira ele viveu entre seus amigos por uma semana inteira antes de ser confrontado abertamente. O último lugar em que vi o pobre Jack foi na casa do Reverendo Doutor Gosling. Jack havia, segundo pensava, chegado bem na hora, pois entrou quando a mesa estava posta. Escolheu um lugar sem ser desejado e falou por algum tempo sem ser ouvido. Assegurou os companheiros de que nada gerava tamanho apetite quanto uma caminhada até o White Conduit House, onde havia estado naquela manhã. Ele olhou para a toalha de mesa e elogiou a aparência do tecido adamascado; falou sobre um banquete em que havia estado no dia anterior, mas que a carne de veado havia sido excessivamente cozida. Isso tudo, no entanto, não gerou para a pobre criatura nenhum convite, e ele ainda não estava suficientemente endurecido para ficar sem ser convidado; razão por que, ao julgar o cavalheiro da casa insensível a todas as suas tentativas, achou que era apropriado, por fim, se retirar e saciar seu apetite com uma caminhada no Parque.

Vocês, portanto, Ó pedintes de minhas relações, seja os vestidos em trapos ou os vestidos com rendas; seja na Kent Street ou no Mall; seja em Smyrna ou St. Giles’s; se eu puder aconselhá-los, na posição de um amigo, nunca aparentem precisar do favor que pedem. Para receber socorro, recorram a qualquer emoção exceto a pena. Você pode encontrar ajuda através da vaidade, do egoísmo ou da avareza, mas raramente através da compaixão. A própria eloquência de um homem pobre é algo desgostoso; e da boca que se abre, mesmo que seja para lisonjas, raramente se espera que se feche sem fazer uma súplica.

Se quiser impedir o domínio da pobreza, finja ser um estranho para ela, e ela ao menos fará cerimônia ao usá-lo. Ouça não o meu conselho, mas o de Offellus[3]. Se for pego jantando uma tigela de ervilhas, sopa e batatas que custou moedinhas, elogie o quão saudável é sua refeição frugal. Você pode observar que o Doutor Cheyne prescreveu caldo de ervilha para a pedra nos rins; sugira que você não é uma daquelas pessoas que sempre fazem da barriga um deus. Se for obrigado a vestir tecidos de lã finos demais no meio do inverno, seja o primeiro a observar que eles são muito usados em Paris. Se forem encontrados defeitos irreparáveis em qualquer parte de sua vestimenta, os quais não possam ser ocultados por meio das artes de sentar de pernas cruzadas, rearranjar sua posição ou remendá-las, diga que nem você nem Sampson Gideon[4] nunca tiveram grande interesse pelo vestuário. Ou, se você for um filósofo, sugira que Platão e Sêneca são os alfaiates que escolhe empregar; assegure suas companhias de que os homens devem se satisfazer com um vestuário simples, uma vez que o que agora é o orgulho de alguns anteriormente foi nossa vergonha. Horácio oferece uma frase em latim que é adequada para a ocasião:

“- Toga, que defendere frigus,

Quamvis crassa, queat.”[5]

Em suma, ainda que seja apanhado, não desista, mas atribua à frugalidade de sua disposição aquilo que os outros estarão dispostos a atribuir à estreiteza de suas circunstâncias, e aparente ser avarento em lugar de aparentar ser um mendigo. Ser pobre, e aparentar ser pobre, é um método certeiro de nunca se erguer. O orgulho dos grandes é detestável, o dos sábios é ridículo; o orgulho dos mendigos é o único tipo de vaidade que consigo perdoar.


[1] [Um café próximo do Temple Bar, na Strand].

[2] N. da T.: “No bankrupt ever found the fair one kind.” – verso de Samuel Garth.

[3] [“Non meus hic sermo; sed quae praecipit Ofellus – HOR,

“Uma doutrina sábia, mas em verdade não é minha” – Pope.]

[4] [Um corretor judeu, rico, famoso por suas vestimentas desleixadas. Ele morreu em outubro de 1762, deixando um filho para quem, em 1759, arranjou um título de baronete, e o qual, em 1789, foi tornado um nobre irlandês, sob o título de Barão Eardley de Spalding.]

[5] [“Roupas que, ainda que sejam grosseiras, me protegerão do frio.”]